sexta-feira, maio 10, 2024
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Conheça a história da reciclagem

A reciclagem é uma atividade essencial para a manutenção dos recursos naturais do planeta. Embora tenha ganhado mais atenção nas últimas décadas, a sua existência remonta a tempos muito antigos. Nesse texto, vamos falar um pouco sobre essa atividade no decorrer do tempo.

Reciclagem na antiguidade

Ao contrário do que muitos pensam, a reciclagem não é algo novo. Ela surgiu na pré-história, no período Paleolítico, e os vestígios mais antigos dessa atividade são pequenas ferramentas afiadas, datadas de 400 mil anos atrás. Feitas de peças e utensílios velhos descartados, essas ferramentas serviam para trabalhar a carne, o couro, a gordura e os ossos de animais.

história da reciclagem. Ferramenta feita de materiais reciclados de 400 mil anos atrás
Ferramenta de 400 mil anos feita com materiais reciclados

Nesse período, a reciclagem era extremamente rudimentar, assim como os tipos de objetos que os humanos produziam. Porém, com a evolução do homem, novos materiais foram sendo descobertos e incorporados na produção de objetos mais sofisticados.

Um desses materiais é o cobre, o qual vem sendo reciclado desde o início da Era do Bronze (4.000 aC) por meio de processos de refusão. Nesse tempo, artefatos de cobre e de liga de cobre eram refundidos e remodelados em novos itens como machados, lanças, facas, dentre outros.

3000 anos aC, nos Emirados Árabes, povos que habitavam a região, conhecida hoje como Dubai, já faziam a reciclagem da cerâmica. Neste local, vasos de cerâmica quebrados e não descartados eram ligeiramente modificados e usados como ferramentas úteis à metalurgia. O interessante dessas ferramentas é que eram criadas apenas com cerâmica feita de um tipo específico de argila.

Com a descoberta do ferro, no ano de 1200 aC, esse metal passou a ser reciclado pelos povos da antiguidade. A sua reciclagem ocorria essencialmente quando havia escassez do metal fresco, superabundância de sucata barata ou grandes quantidades de metais, advindos de saques de túmulos e de campos de batalhas e de tributos de guerra. O ferro, como se sabe, era refundido e transformado em diversos artefatos como armas, ferramentas agrícolas e objetos de decoração.

No ano de 79 aC, período que antecede a erupção do Monte Vesúvio, a reciclagem de cerâmica, metais, e outros resíduos era uma prática “comum” em Pompéia, na Itália. Montes de materiais recicláveis eram coletados, classificados e comercializados pelos romanos fora dos muros dessa cidade. Há estudos arqueológicos, inclusive, que afirmam que Pompéia foi, em parte, construída com esses resíduos. Isto porque, na cidade, há diversas estruturas antigas que contêm materiais reaproveitados como pedaços de azulejo e telha, ânforas quebradas, pedaços de argamassa e reboco.

No início do período bizantino (395 dC), o vidro, um dos materiais mais largamente usado nos dias de hoje, era reciclado na cidade de Sagalassos, na Turquia. Arqueólogos acreditam que a reciclagem do vidro, nessa região, começou com a refusão de pedaços de vidros quebrados, gerados na própria oficina de vidro. Porém, com o tempo, foi-se incorporando ao processo outros tipos de vidro que eram comercializados no local.

história da reciclagem. Ferramenta feita de materiais reciclados de 400 mil anos atrás
Papel reciclado no Japão em 1031

Em 1031 dC, foi a vez do papel. Devido a escassez de matéria-prima e de trabalhadores qualificados nas fábricas, o Japão passou a reaproveitar resíduos de papel. Esses resíduos eram macerados e transformados em novas folhas de papel chamadas kamiya-gami. Esse papel era a única mercadoria comercializada nas papelarias do país. Há relatos, inclusive, de que livros da Biblioteca Imperial foram usados na fabricação de novas folhas de papel.

As práticas de reciclagem, adotadas até esse período, continuaram por séculos por uma necessidade das próprias civilizações. Nesse tempo, era difícil obter recursos novos já que as tecnologias disponíveis eram limitadas e, economicamente, era mais barato reciclar do que buscar materiais virgens na natureza. Então, reutilizar produtos descartados fazia mais sentido.

Até o final do século XIX, reciclar era quase que uma prática doméstica em alguns países. Muitas famílias vendiam materiais recicláveis a mascates viajantes, os quais revendiam a pequenas fábricas. Nessa época, a sucata era o resíduo mais reciclado e com maior valor no mercado. Porém, havia outros materiais que eram reaproveitados como trapos que serviam para fazer papel e restos de ossos de boi que eram utilizados para produzir fertilizantes.

Antes da chegada do século XX, a reciclagem não era praticada por existir uma consciência ambiental, mas sim por ser economicamente viável. Porém, com o crescimento da poluição e pressões de movimentos ambientalistas dos anos 1970, houve uma mudança de perspectiva para essa atividade que passou a ser vista como indispensável à manutenção dos recursos do planeta.

Reciclagem no Século XX

O início do século XX foi marcado por grandes guerras e uma crise econômica mundial que enfatizaram a importância de reutilizar e reciclar materiais. As pessoas se viram obrigadas a usarem o que já tinham, pois a escassez de recursos era grande e existia uma demanda de materiais para ajudar nos esforços da guerra.

Durante a Grande Depressão (1930), por exemplo, era comum as famílias americanas utilizarem sacos de farinha como tecido na produção de roupas e embalagens de biscoito como lancheiras. Grandes fabricantes da época, inclusive, comercializavam produtos destacando seu potencial de uso duplo devido a baixa disponibilidade de recursos.

história da reciclagem. Roupas feitas com saco de farinha
Roupas feitas com saco de farinha

Na Segunda Guerra Mundial (1940-1944), a reciclagem chegou ao seu “auge”, pois houve um estímulo para isso. Por haver falta de matéria-prima, governos fizeram propagandas incentivando a população a coletar e doar tudo que pudesse suprir as indústrias com materiais que estavam escassos. Alguns deles eram sucatas, papel, borracha, madeira e tecidos.

As propagandas mobilizaram milhões de pessoas nos Estados Unidos e nos outros países envolvidos no conflito, incluindo o Brasil. Esses cidadãos doaram jornais velhos, vasilhames de leite, restos de alumínio, pneus e outros materiais que pudessem ser reutilizados no esforço da guerra. Até panelas foram doadas por serem de alumínio. Nesse período, foram reciclados milhares de toneladas de materiais.

Apesar do crescimento que a reciclagem de materiais teve na Segunda Guerra Mundial, ela, infelizmente, não se manteve após o conflito. Isto porque o extraordinário desenvolvimento econômico e tecnológico que ocorreu no pós guerra propiciou a produção e o consumo de massa, os quais deram origem a cultura de bens descartáveis.

Nesse período, o padrão econômico da população aumentou, assim como a facilidade e o acesso a diversos produtos e serviços. Então, descartar o que havia comprado era mais fácil do que reaproveitar. Tudo era produzido rapidamente e a preços relativamente acessíveis e o descarte era incentivado para fomentar a produção industrial que estava em franca expansão.

Embalagem plástica da década de 1950
Embalagem plástica da década de 1950

Ao mesmo tempo que houve esse crescimento econômico, surgiu o polietileno, um polímero plástico cujo uso se popularizou. Por ser leve, ter baixo custo e ser fácil de manipular e de fazer designs coloridos, o polietileno tornou-se um dos principais materiais para a produção de embalagens, sacos de lixo, sacolas plásticas e outros produtos.

Pelos benefícios que trazia, o plástico foi utilizado em grande escala para a produção de milhares de itens. Apesar de levar séculos para se decompor na natureza, anúncios da época encorajavam a população a jogar fora esses plásticos e os demais resíduos ao invés de aproveitá-los.

Esse descarte em massa produziu um volume de lixo impossível de dar destino adequado e muitos outros problemas ambientais como a poluição de rios e mares, a mortandade de animais, dentre outros. Estes problemas com o tempo foram se agravando e mostrando que era insustentável o padrão de consumo da época.

história da reciclagem. Latas foram recicladas na década de 1960
Latas foram recicladas na década de 1960

Então, contrapondo a cultura do descarte, surgiu, em 1968, uma iniciativa de reaproveitamento de matéria-prima nos Estados Unidos: a “Ban The Can”. Trata-se de um programa de reciclagem em larga escala que indústrias de latas de ferro e de alumínio implantaram para reaproveitar latas descartadas.

Apesar de louvável, a iniciativa não animou os demais setores a adotarem a mesma medida. Porém, a partir da década de 1970, quando o movimento ambientalista começou a ganhar força no mundo, a reciclagem voltou a ser uma ideia sensata e uma alternativa ao problema do lixo. Nesse período, havia algumas iniciativas de reciclagem, mas eram pontuais.

Na década de 1980, a preocupação com os impactos ambientais provocados pelo homem no planeta ganhou força com a divulgação do Relatório de Brundtland. Este documento trouxe o conceito de desenvolvimento sustentável, o qual preconiza a disponibilidade dos recursos para atuais e futuras gerações.

Surge, na década de 1980, surge a primeira cooperativa de catadores de materiais recicláveis do país
Surge, na década de 1980, surge a primeira cooperativa de catadores de materiais recicláveis do país

Nesse momento, a reciclagem surgiu como uma das medidas para alcançar esse desenvolvimento, pois possibilita manter os bens naturais sem mais exploração e destruição. Desde então, medidas vêm sendo tomadas nesse sentido. No Brasil, duas delas são a experiência pioneira de coleta seletiva de lixo em Niterói e a fundação da primeira cooperativa de catadores de materiais recicláveis do país, a Coopamare.

Nos anos 90, a questão do acúmulo lixo tomou proporções alarmantes nos Estados Unidos, desencadeando movimentos sociais a favor da reciclagem. No Brasil, a ocorrência da segunda grande conferência mundial sobre meio ambiente, a Rio-92, trouxe a reciclagem para o centro das discussões e estimulou o surgimento de muitas iniciativas visando reciclar resíduos.

Apesar do “despertar” para as questões ambientais ocorrido nas últimas décadas, o sistema produtivo e o consumo continuaram crescendo. A ideia de utilizar resíduos como matéria-prima na fabricação de novos produtos ainda não havia sido assimilada como devia.

Então, em 2005, a ONU divulgou um relatório afirmando que as atividades humanas estavam exaurindo a capacidade do planeta se autorregenerar, o que colocava em risco a sustentação das gerações futuras. O documento sugere como solução a mudança de políticas e de padrões de consumo, assim como a reciclagem de materiais descartados após consumo.

O relatório apontou a reinserção dos materiais descartados no ciclo produtivo como a iniciativa-chave para proteger o meio ambiente. A partir de então, inúmeras tecnologias vêm surgindo para reaproveitamento de resíduos e fabricação de novos produtos com matéria-prima reciclada.

Nos dias atuais, a reciclagem ainda não foi implementada no setor produtivo como deveria porque os governos não criaram leis que obriguem as empresas a fazerem isso. No entanto, por pressão do mercado consumidor, as organizações estão inserindo sistemas mais limpos e que aproveitam em parte os resíduos.

Ver a reciclagem sendo praticada pela população como um todo e implantada nos diversos setores produtivos é só uma questão de tempo. Já existe um movimento para isso que vem se consolidando aos poucos, pois sabe-se que ela essencial para manter a sobrevivência da geração atual e futura e dos demais ecossistemas.


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Lucila Freire

Geógrafa e Especialista em Gestão e Auditoria Ambiental. Atua como Consultora Ambiental. Fundou o Sustentabilidade No Ar, pois acredita na forte influência que os meios de comunicação têm sobre a sociedade e quer utilizá-lo para inspirar pessoas e promover conscientização ambiental.